sexta-feira, 5 de junho de 2009

Responsabilidade em relação ao cosmo


Responsabilidade em relação ao cosmo. O avanço do conhecimento tem dilatado progressivamente o horizonte da nossa consciência, dando dimensão cósmica a nossa responsabilidade. Estágios anteriores de desenvolvimento da ciência e da técnica tanto restringiam a influência de nossas ações como a compreensão dos efeitos delas. Tudo o que se processava no campo da natureza parecia além do controle humano e, portanto, de sua responsabilidade. Não mais nos é permitida essa inocência – sabemos da vulnerabilidade do ambiente às nossas aplicações tecnológicas e dos efeitos perversos sobre os ecossistemas mais remotos e sobre as gerações futuras. Nenhum de nossos atos se conclui em si mesmo, nem no tempo nem no espaço, nem em sua adscrição exclusiva ao natural ou a humano: todo ato é um elo de uma cadeia com efeitos globais, sócio-ambientais, muitas vezes cumulativos e irreversíveis. O que antes entendíamos como caprichos da natureza hoje uma visão lúcida os percebe como efeitos perversos de ações irresponsáveis. Impõe-se, portanto, como nunca antes e de forma urgente, uma consciência ecológica – não mais centrada no ser humano, no seu benefício – mas no da harmonia de todo o sistema ecológico, da grande comunidade da vida. “Quanto mais percebemos o alcance de nosso pensamento e de nosso agir, tanto maior responsabilidade assumimos” . Esse alcance maior do pensamento, esse pensar mais amplo da realidade – essa lucidez – se realiza no vislumbre da densidade de futuro de nossas ações presentes. Os seus opostos são expressões do encurtamento da visão para um presente imediato: o pensamento a-histórico, desligado – e descompromissado – do futuro, a pesquisa que se fecha para a grande realidade, o saber especializado que, de janelas fechadas para as outras dimensões da vida, desconhece os efeitos muitas vezes perversos, nefastos e irresponsáveis sobre a vida humana e a ecologia. Já, assumir a responsabilidade em relação ao cosmo é assumir uma postura ética, entendida como lucidez do conhecer e do agir, como visão ampliada – nos elos geográficos e históricos – das conseqüências do nosso proceder. A compreensão de nós mesmos em relação ao cosmo ultrapassa a intenção preservacionista e adota em relação a este uma postura mais humilde:
Inegavelmente, o ser humano nas sociedades atuais se colocou como o centro de tudo. Tudo deve partir dele e retornar a ele. Tudo deve estar a seu serviço. Sente-se como um Prometeu, capaz de debelar com seu ingênio e força todos os obstáculos que se opõem ao seu propósito. E o seu propósito é o dominium terrae, conquista e dominação da Terra.*
Antes, a atitude co-responsável com o universo implica uma atitude menos agressiva, produto da consciência da dimensão cósmica da nossa relacionalidade:
[O homem] constitui-se como um nó de relações que atingem a totalidade da realidade. O nosso corpo pode universalizar-se: ele se estende até as estrelas, pode entrar em comunhão com todo o universo dos seres. **
O desenvolvimento ético – o espraiar responsável da nossa consciência em escala cósmica e generacional – é ao mesmo tempo fator e produto do nosso desenvolvimento intelectual.

* L. Boff, Dignitas Terrae, p. 110
** L. Boff, O homem como nó de relações, Revista de Cultura Vozes. 65 (1971), 481s

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